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quarta-feira, 21 de maio de 2014

STJ Falta de registro em carteira só é crime quando há dolo do empregador

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que trancou ação penal contra a sócia administradora de um colégio, denunciada com base no artigo 297 do Código Penal (falsificação ou alteração de documento público). 

Segundo o processo, ela não fez as devidas anotações na carteira de trabalho de uma professora. O reconhecimento do vínculo empregatício ocorreu por meio de sentença proferida por juiz trabalhista, que determinou que fossem feitas as anotações e os pagamentos devidos. 

A Turma, seguindo o voto do relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, entendeu que a atitude da administradora retrata típico ilícito trabalhista, sem nenhuma nuance que demande a intervenção do direito penal, pois não houve demonstração de que ela pretendesse burlar a fé pública ou a previdência social. 

Forma e substância 

O Ministério Público (MP) recorreu ao STJ contra decisão do TJSP, que entendeu que a omissão de registro na carteira de trabalho não altera sua forma, substância e inteireza, mas apenas constitui ilícito trabalhista, nos termos do artigo 47 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). 

No recurso especial, o MP sustentou negativa de vigência ao artigo 297, parágrafo 4º, do Código Penal, que trata da falsificação de documento público e da alteração de documento público verdadeiro. De acordo com este parágrafo, é crime omitir, em documentos que gerem efeitos perante a previdência social, nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração e a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços. 

Dolo não configurado 

Ao analisar a questão, Marco Aurélio Bellizze destacou que a conduta imputada à sócia do colégio se refere à contratação de professora como prestadora de serviço autônoma. Contudo, a Justiça do Trabalho reconheceu o vínculo empregatício. 

Para o ministro, embora de forma equivocada, a relação entabulada entre as partes era de cunho cível, portanto não se exigia, num primeiro momento, a anotação na carteira de trabalho. “Com a decisão definitiva da Justiça do Trabalho, a recorrida fez as devidas anotações e pagou os valores devidos, não se configurando, a meu ver, o dolo necessário ao preenchimento do tipo penal”, disse ele, observando que processos trabalhistas dessa natureza muitas vezes se revestem de alta complexidade. 

Bellizze comentou que, na jurisprudência do STJ, a simples omissão de anotação de contrato na carteira de trabalho já preenche o tipo penal descrito no parágrafo 4º do artigo 297 do Código Penal. “Contudo”, acrescentou o ministro, “é imprescindível que a conduta preencha não apenas a tipicidade formal, mas antes e principalmente a tipicidade material. Indispensável, portanto, a demonstração do dolo de falso e da efetiva possibilidade de vulneração à fé pública.” 

Exigência do tipo penal 

“O tipo penal de falso, quer por ação quer por omissão, deve ser apto a iludir a percepção de outrem. A conduta imputada à recorrida não se mostrou suficiente a gerar consequências outras além de um processo trabalhista”, continuou o relator, para quem não houve efetiva vulneração do bem jurídico tutelado pela lei – a fé pública – nem ficou provado de forma cabal que a ré pretendesse alterar ideologicamente a realidade. 

“O direito penal só deve ser invocado quando os demais ramos do direito forem insuficientes para proteger os bens considerados importantes para a vida em sociedade. Assim, para socorrer-se ao direito penal, é necessário que a conduta desborde de uma simples omissão. Imprescindível, a meu ver, que se demonstre o real dolo do autor em burlar a fé pública e a instituição da previdência social”, afirmou Bellizze. 

De acordo com o relator, “a melhor interpretação a ser dada ao artigo 297, parágrafo 4º, do Código Penal deveria passar necessariamente pela efetiva inserção de dados na carteira de trabalho, com a omissão de informação juridicamente relevante, demonstrando-se, da mesma forma, o dolo do agente em falsear a verdade, configurando efetiva hipótese de falsidade ideológica, o que a tutela penal visa coibir”. 

Esta notícia se refere ao processo: REsp 1252635

STJ Conclusão fática que fundamenta sentença não faz coisa julgada

O fato de uma sentença adotar premissa fática absolutamente divergente daquela que inspirou o pronunciamento de uma sentença anterior, já transitada em julgado, não afasta a incidência do artigo 469 do Código de Processo Civil (CPC), o qual afirma que “não faz coisa julgada a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença”. 

Essa foi a decisão da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento de recurso especial sob relatoria do ministro Sidnei Beneti. No caso, o relator deixou claro que o instituto da coisa julgada não se presta apenas a impedir a reiteração de ações idênticas. É um fenômeno muito mais amplo que opera em diversas situações. 

O artigo 469 do CPC determina que não fazem coisa julgada os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença; e a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentalmente no processo. 

Qualidade agregada 

O artigo 301, parágrafo 3º, do mesmo código estabelece que “há coisa julgada quando se repete ação que já foi decidida por sentença, de que não caiba recurso”. No entanto, o relator destaca que não é possível interpretar esse dispositivo de forma isolada. Ele está inserido em um sistema maior e não é propriamente um efeito da sentença, mas uma qualidade que se agrega aos seus efeitos. 

Uma vez assumido que a coisa julgada é uma qualidade que se agrega à declaração contida na sentença e que essa declaração somente existe como uma resposta jurisdicional, é inevitável concluir que a coisa julgada atinge apenas a parte dispositiva da sentença. Nem o relatório, nem a fundamentação da sentença podem se revestir da coisa julgada, porque nestes ainda não existe propriamente um julgamento. 

O caso 

A controvérsia foi discutida no recurso interposto com uma pousada que litiga com uma construtora. Inicialmente, as empresas ajuizaram ações julgadas conjuntamente. A construtora cobrava dívida remanescente da aquisição de imóvel pela pousada, que, por sua vez, queria rescindir o contrato alegando ter pago valor muito superior ao de mercado. 

Sentença transitada em julgado negou a ação de cobrança e reconheceu que a pousada havia pago pelo imóvel valor três vezes superior ao de mercado. Mas o contrato foi mantido porque o negócio havia se concretizado, de forma que sua rescisão seria ilícita. 

A pousada ajuizou nova ação, agora pedindo a devolução dos valores pagos a mais pelo imóvel. Em primeiro grau, o pedido foi negado porque prova pericial concluiu pela inexistência de valores pagos a maior. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais negou a apelação. 

No recurso ao STJ, discutiu-se a ocorrência ou não de ofensa à coisa julgada, tendo em vista que, na segunda ação, não foi reconhecido o pagamento a maior apontado na primeira ação. Contudo, conforme estabelecido no artigo 469 do CPC, a verdade dos fatos estabelecida como fundamento de sentença não faz coisa julgada. 

Esta notícia se refere ao processo: REsp 1298342